quinta-feira, 24 de abril de 2014

PRODUÇÃO, PRESERVAÇÃO E TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO NO OCIDENTE - PARTE 1



Introdução - Maravilhas da Internet

Basta um clique. Seja num celular, tablet ou notebook, a quantidade de informações na ponta de nossos dedos é tamanha que está havendo uma tendência em relacionar informação com o próprio conhecimento. Promotores da tão divulgada "era da informação" se esquecem de que o conhecimento está sempre associado à conexão de pessoas e não só ao conjunto de informações.
É preciso lembrar de que antes que existissem prestigiados laboratórios governamentais, a mídia digital e a banda larga sem fio, o conhecimento foi um tesouro duramente conquistado por instituições que converteram tradições filosóficas orais em erudição escrita, preservaram e copiaram manuscritos garantindo a fidelidade ao sentido da língua, enfim, cuidaram para salvaguardar o conhecimento ao longo do tempo, permitindo usufruirmos hoje dessa modernidade de informação.
Quem terão sido esses heróis que em época de recursos tão escassos conseguiram construir, preservar e divulgar o conhecimento?
Se você se interessou, poderá consultar o texto a seguir, que dividido em partes, tentará resumidamente apresentar alguns dos tópicos mais relevantes sobre o assunto.

1 - Produção, preservação e transmissão do conhecimento no ocidente. 

Este texto faz relatos sobre a instituição do conhecimento, uma história que contempla uma rica variedade de acontecimentos e personagens que colaboraram a seu modo com muita eficiência para que o "saber" fosse difundido e também, preservada a tradição ocidental.
Instituições como bibliotecas, mosteiros e universidades contribuíram de forma decisiva para que esse objetivo fosse alcançado.
O surgimento da escrita data de 4000 a.E.C na Baixa Mesopotâmia (atual Iraque) possivelmente com os sumérios.
Matemática e escrita aparecem nessa região relacionadas à necessidade de registrar quantidades, não só de rebanhos, mas insumos necessários à sobrevivência e organização da sociedade.
Os registros mais antigos que conhecemos vem do antigo Egito e de povos que habitavam a Mesopotâmia, considerada um dos berços da civilização.
Os registros da matemática mesopotâmica eram mais numerosos provavelmente por usarem a argila que tem maior facilidade de preservação, enquanto os egípcios usavam o papiro. O papiro provém de um vegetal abundante nas margens do Nilo. Se o caule do vegetal for prensado, o resultado é o que se poderia chamar folha de papel. O papiro era comercializado largamente pelos egípcios e livros escritos em papiro eram conservados em rolos, mas não eram tão resistentes ao manuseio quanto os escritos feito em  argila.
Mais tarde, o papiro foi gradualmente substituído pelo pergaminho. O pergaminho tem sua origem em Pérgamo, importante cidade da Ásia Menor, donde lhe vem o nome. É obtido de couro de carneiro tratado de modo especial, resultando numa folha consistente e fina. Bem mais resistente e durável, porém mais caro, passou a ser usado em documentos mais importantes.
Nos séculos seguintes, a divulgação mais ampla dos pergaminhos e de seu uso, formando "códices" ou cadernos permitindo a escrita nos dois lados da folha, (impossível com os rolos de papiro), veio facilitar a confecção de livros reunindo vários códices num único volume. Para aquela época, século IV da era cristã, essa ideia foi considerada uma invenção não menos importante que a imprensa no século XV. A escrita durável não fazia parte da tradição erudita de gregos e egípcios.
Há algumas semelhanças entre as culturas mesopotâmica e grega sobretudo no período coincidente com as conquistas de Alexandre, o Grande, que propiciaram alguma interação entre os povos orientais e ocidentais. Esse fato permitiu a transmissão do conhecimento de outras grandes culturas letradas do mundo: a chinesa, a indiana e a islâmica, cada qual partilhando com o ocidente o seu legado.
Os chineses representavam um universo paralelo de erudição e civilização. Usavam materiais permanentes para seus registros. Entalhavam caracteres em pedra, bronze e jade.
O Islã contribuía com a origem do monoteísmo e com a absorção da filosofia e conhecimentos gregos.
A Índia, com um dos mais antigos sistemas de conhecimento do mundo baseado no sânscrito, muito ajudou na solução de problemas comuns às sociedades letradas.
Para que não se perdesse toda esta forma de conhecimento surgiu a ideia de criar bibliotecas que se apoiavam na certeza de que a melhor forma de organizar o conhecimento seria a escrita. Para tal, garantiriam que: a) a tradição oral fosse convertida em erudição escrita; b) a cópia dos manuscritos procuraria manter fidelidade.
Iniciando com as bibliotecas da antiga mesopotâmia, outras foram construídas ao longo do Mediterrâneo garantindo o zelo sobre textos gregos durante um tempo suficiente para transmiti-los recorrendo à tradução ou originais.
A biblioteca que mais se destacou foi a de Alexandria, fundada por Demétrio de Falero em 331 a.E.C, época em que os "Ptolomeus" governavam o Egito após morte de Alexandre o Grande, fundador da cidade de Alexandria.
Competindo com outros impérios em Antioquia e Pérgamo, na Macedônia e na Grécia, os ptolomeus transformaram Alexandria em ponto de atração para emigrantes gregos ávidos na busca do conhecimento. Era a cidade multicultural da antiguidade.
Os Ptolomeus, com excepcional nível cultural, criaram um centro especial para os eruditos com um templo extremamente rico, o Museu, onde estava instalada a Biblioteca. Entre os intelectuais que se sentiram atraídos a Alexandria podemos elencar: Euclides, o sintetizador da geometria mais antiga; Eratóstenes que conseguiu encontrar com exatidão memorável a medida da circunferência da Terra (que ele sabia ser redonda); Arquimedes que se destacou na Mecânica dos fluidos. Tempos depois, já sob o domínio romano, o destaque da medicina, Galeno, esteve em Alexandria para usufruir de seu centro de estudos. Também Serófilo procurou a Biblioteca de Alexandria para suas pesquisas médicas. Relatos dão conta de que ele dissecou o cérebro e o olho humanos em 288 a .E.C. Um quarto de século depois lá nascia uma escola de medicina que se tornou famosa.
Também os judeus vieram para Alexandria em grande número com o propósito de fazer comércio. Há notícias de que cerca de 70 eruditos judeus vindos da Palestina também vieram para traduzir o Antigo Testamento do hebraico para o grego. Essa versão do Antigo Testamento, em grego, passou a se chamar Septuaginta ou dos Setenta e conta-se que apesar de terem trabalhado separadamente as traduções tiveram idênticos resultados. A Septuaginta veio a ser um patrimônio da comunidade judaica de Alexandria numa época em que os judeus já estavam substituindo o aramaico e o hebreu (seus idiomas) pelo grego que passou a ser o seu idioma principal.
Sobre a destruição da biblioteca de Alexandria são poucas e contraditórias as informações, nenhuma delas apontada como verdadeira. Um dos relatos aponta para momentos de tensão religiosa e violência. Pagãos, judeus e cristãos conviviam num ambiente de hostilidades. As autoridades políticas não conseguiram manter unida a mesma cultura existente.
O saber dependia do destino da biblioteca que já havia perdido sua grande incentivadora, Hipácia, que dirigia brilhantemente uma escola de filosofia neo-platônica. Como era verdadeira seguidora de Platão, dedicada à virtude e ao ecumenismo espiritual foi brutalmente esquartejada por forças paramilitares sanguinárias lançadas contra ela pelo bispo cristão de Alexandria.
Como a autoridade política (ptolomaica, romana, bizantina ou muçulmana) não forneceu ao menos uma aparência de ordem ao famoso Complexo do Saber, seu destino foi decretado. Não havia quem dele cuidasse ou preservasse. Sua coleção foi sendo negligenciada e, enfim deteriorou-se.
Durante o tempo de colapso civilizacional os mosteiros preservaram o conhecimento criando elos entre estudo de textos escritos, reprodução de fragmentos de manuscritos, transmissão de informações preciosas sobre o mundo de então, valendo ressaltar o esforço e o mérito dos monges copistas.

Na próxima postagem:

Como os mosteiros contribuição na construção e divulgação do conhecimento.