2 - Os Mosteiros - Sua contribuição à
construção e divulgação do conhecimento.
Na história do cristianismo, nenhum
acontecimento desde a crucificação de seu fundador foi tão influente quanto a
complacência do jovem imperador Constantino, em 312, com relação aos cristãos. Ofereceu-lhes
tolerância cívica e restaurou propriedades que lhes foram confiscadas. Com sua
mãe, começou a construir grandiosas igrejas. Todos esses fatos contribuíram
para a multiplicação dos adeptos ao cristianismo. Quando Constantino morreu, em
337, o auge de Roma havia passado. A famosa cidade foi semidestruída em 410 e
novamente em 455. Roma decaiu numa velocidade alarmante mas a última fase da
história romana deu a bênção oficial ao cristianismo.
Em 529 d.E.C um edito imperial fecha a
Academia, fundada por Platão em Atenas, considerada relíquia da filosofia pagã,
num mundo agora totalmente cristão.
No mesmo ano foi criado ao sul de
Roma um mosteiro que até hoje está ativo. É o Monte Cassino localizado numa
montanha extremamente alta próxima do epicentro do Império Romano Ocidental.
Contrariamente à imagem popular, o
Mosteiro era, à época, uma instituição destinada a cuidar de manuscritos sem
vida ao longo dos séculos, traduzindo-os para outras línguas, decifrando-os. Enfim,
os monges se empenhavam com devoção, humildade e incrível paciência nessa tarefa
que permitia a reinvenção e divulgação do conhecimento. É claro que tinham
também suas tarefas de ordem pessoal, suas horas de meditação e leituras. O
mosteiro foi a primeira instituição do saber que se adaptou à ausência de
civilização, ao ermo.
Os mosteiros
cristãos buscaram intencionalmente o afastamento da civilização urbana muito
antes que ela entrasse em colapso. A palavra “monge” vem do grego
"monachos" que significa "solitário" e ainda assim havia 5
mil deles somente no Baixo Egito no final do século IV. A ideologia que orienta
o mosteiro, O Cristianismo, estrutura seu sentido de tempo em torno da vida e
morte de Jesus Cristo. Para dar significado à história usam um conjunto de
escrituras e outros tipos de literatura para orientar os indivíduos em suas
decisões pessoais a respeito da vida, da morte e da salvação. Depois do colapso
da infraestrutura da civilização no ocidente, a ênfase na palavra de Deus
apresentou um fundamento lógico religioso para preservação do conhecimento. Sendo
cristãos devotados, monges e freiras apoiavam-se em textos sagrados, ou não, para
viverem melhor todos os anos de suas vidas nos mosteiros. Muitos deles faziam
pesquisas não só em textos sagrados (os mosteiros tinham suas bibliotecas) mas
também na natureza que os envolvia e daí resultaram experimentos que
contribuiriam futuramente com o progresso da Ciência como o caso de Mendel (¶1822
-
1884) que entrou para o mosteiro com intenção de
aprimorar conhecimentos e em contato com a natureza, admirando os jardins, acabou
por fazer experimentos com ervilhas e descobrir os caminhos da genética. É
considerado O Pai da Genética. Pode-se citar ainda Bartolomeu de Gusmão (¶1685
-
1724) - trabalho pioneiro no projeto de dirigíveis mais
leves que o ar, Nicole Oresme (¶1320,1325 –
1382), filósofo famoso, matemático, tradutor competente, físico
e teólogo; Giordano Bruno (¶1548 -
1600), filósofo
dominicano, matemático e astrônomo, que foi queimado na fogueira por causa de
pontos de vista heréticos; Nicolas Malebranche (¶1638 –
1715) - filósofo
que estudou física, ótica e as leis do movimento; divulgador das ideias de
Descartes e Leibniz; François Jacquier (¶1711 -
1788 ) - matemático e
físico franciscano; por ocasião de sua morte estava conectado com quase todas
sociedades científicas da Europa.
Na verdade, pode-se indagar por
que a ciência se desenvolveu num ambiente católico.
Constata-se que os jesuítas deram
inúmeras contribuições significantes para o desenvolvimento da ciência. Basta
lembrar seu estudo sobre os terremotos, tanto que a sismologia passou a ser
conhecida como a "ciência dos jesuítas". Também participaram do
desenvolvimento dos relógios de pêndulo, telescópios, microscópios e muitos
outros feitos.
Os mosteiros tinham suas regras
que eram cumpridas pelos monges e que contribuíram para a construção de suas
vidas de forma harmoniosa. A recitação das escrituras nos encontros semanais
dava aos noviços solitários um sentido de companheirismo. A meditação sobre um
versículo escolhido, a repetição de determinado salmo afastava o tédio, o
desespero e a tentação. Os monges mais velhos estavam prontos a ajudar a
comunidade e era comum serem procurados pelos monges mais novos e pelos noviços
para ouvir uma palavra, um conselho. Era uma forma de tornar-se seu aprendiz. Os
monges construíram suas vidas através da leitura meditativa que equivalia a uma
prece a Deus.
Colaborou para disseminar os
ideais de vida monástica e suas diretrizes, entre outros, João Cassiano (360 -433)
que emigrou da Terra Santa para fundar dois mosteiros perto de Marselha.
Sua obra "As Instituições e
as Conferências" foi responsável por disseminar os ideais da vida
monástica juntamente com a Regra Beneditina que veio mais tarde.
Desde sempre o mundo conviveu com
invasões, guerras e suas consequências drásticas.
Hoje vemos países que se
digladiam por razões, às vezes estúpidas, e que além de um número enorme de
mortes levam comunidades inteiras a se deslocarem de seus habitats para
acampamentos em situações muitas vezes precárias, longe de suas origens e
tradições.
Quando Roma foi saqueada em 410 pelos
visigodos, o aparato político de seu império foi logo dominado pelos invasores
gerando um colapso da cultura romana que perdurou por 2 séculos. A sociedade
que surgiu após esse período era analfabeta, rural, subpovoada, tinha economia
de subsistência e tradição oral, dominada por guerreiros em constantes
conflitos, mas uma sociedade homogeneamente cristã.
O conhecimento necessário para
entender as escrituras teria que vir de alguma fonte. A fonte que estava
preparada para tal no Ocidente era o mosteiro, que não era algo novo no VI
século. O sucesso do cristianismo e a preservação do conhecimento se deviam ao
trabalho dos monges. Pode-se dizer que a religião apontou um caminho para a
sobrevivência do saber.
Entre os muitos mosteiros
existentes naquela época destacam-se:
Monte Cassino, fundado por Bento
de Núrsia, que vem fornecendo a mesma diretriz durante séculos a monges e
freiras beneditinas. Sofreu perdas significativas nas invasões em 577 e em 833,
ocasião em que os monges tiveram que fugir, numa delas levando os ossos de
Bento. Somente no século XI o Monte Cassino começou a adquirir e reproduzir
manuscritos importantes da civilização do ocidente. Uma praga em 1348 e o
terremoto de 1349 trouxeram outro revés que foi enfrentado pelos monges que
sempre reconstituíram suas tradições e trabalhos. Seiscentos anos depois, em 1944,
um bombardeio contra a Itália reduziu o local a escombros. Com a coragem que
lhes era peculiar estavam preparados para cuidar da preservação do saber em
tempos de devastação e penúria.
Recentemente, o convento de 1500
anos abriu seu próprio site www.officine.it/montecassino/
mostrando que se adaptou às mudanças do mundo e está conectado com ele.
Uma outra comunidade monástica
que se destacou foi em Vivarium, palavra latina que significa "lugar de
coisas vivas". Recebeu esse nome porque o local escolhido para sua
instalação possuía lagoas piscosas em suas proximidades.
Foi idealizado por Cassiodoro, estadista
romano que tinha um plano inicial de fundar uma escola cristã em Roma, mas
violentas guerras no reino italiano destruíram seus sonhos. Retornou à vila da
família em Squillace e se dedicou aos livros e escritos, reações comuns a
aristocratas e estudiosos desiludidos. Depois transformou Squillace em uma
comunidade monástica. Ali colecionou as grandes obras da antiguidade e treinou
seus monges para copiá-las e corrigi-las. Cassiodoro alertou seus monges para
que aprendessem com seus próprios olhos já que a tradição oral da cultura
romana estava comprometida. Instruiu os monges a deixarem folhas em branco nos
códices, na expectativa de poder acrescentar informações, recuperar obras
perdidas. Além dos dois mosteiros fundados por João Cassiano pode-se destacar
mosteiros na Gália e na Itália fundados e reformados por monges irlandeses conhecidos
por sua austeridade e cultura. Saíram da Irlanda (uma ilha) e dirigiram-se ao
continente para incentivar o conhecimento.
De Vivarium, na Itália, até Iona,
no litoral britânico os mosteiros se destacaram e foram praticamente os únicos
veículos da preservação da escrita e cultura do Ocidente desde o Séc. V
atravessando o período entre os séc. VI e IX, considerado crítico para a
divulgação de textos clássicos, até o surgimento da universidade no séc. XII