quarta-feira, 14 de maio de 2014

PRODUÇÃO, PRESERVAÇÃO E TRANSMISSÃO DO CONHECIMENTO NO OCIDENTE - PARTE II




2 -    Os Mosteiros - Sua contribuição à construção e divulgação do conhecimento.

Na história do cristianismo, nenhum acontecimento desde a crucificação de seu fundador foi tão influente quanto a complacência do jovem imperador Constantino, em 312, com relação aos cristãos. Ofereceu-lhes tolerância cívica e restaurou propriedades que lhes foram confiscadas. Com sua mãe, começou a construir grandiosas igrejas. Todos esses fatos contribuíram para a multiplicação dos adeptos ao cristianismo. Quando Constantino morreu, em 337, o auge de Roma havia passado. A famosa cidade foi semidestruída em 410 e novamente em 455. Roma decaiu numa velocidade alarmante mas a última fase da história romana deu a bênção oficial ao cristianismo.
 Em 529 d.E.C um edito imperial fecha a Academia, fundada por Platão em Atenas, considerada relíquia da filosofia pagã, num mundo agora totalmente cristão.
No mesmo ano foi criado ao sul de Roma um mosteiro que até hoje está ativo. É o Monte Cassino localizado numa montanha extremamente alta próxima do epicentro do Império Romano Ocidental.
Contrariamente à imagem popular, o Mosteiro era, à época, uma instituição destinada a cuidar de manuscritos sem vida ao longo dos séculos, traduzindo-os para outras línguas, decifrando-os. Enfim, os monges se empenhavam com devoção, humildade e incrível paciência nessa tarefa que permitia a reinvenção e divulgação do conhecimento. É claro que tinham também suas tarefas de ordem pessoal, suas horas de meditação e leituras. O mosteiro foi a primeira instituição do saber que se adaptou à ausência de civilização, ao ermo.
Os mosteiros cristãos buscaram intencionalmente o afastamento da civilização urbana muito antes que ela entrasse em colapso. A palavra “monge” vem do grego "monachos" que significa "solitário" e ainda assim havia 5 mil deles somente no Baixo Egito no final do século IV. A ideologia que orienta o mosteiro, O Cristianismo, estrutura seu sentido de tempo em torno da vida e morte de Jesus Cristo. Para dar significado à história usam um conjunto de escrituras e outros tipos de literatura para orientar os indivíduos em suas decisões pessoais a respeito da vida, da morte e da salvação. Depois do colapso da infraestrutura da civilização no ocidente, a ênfase na palavra de Deus apresentou um fundamento lógico religioso para preservação do conhecimento. Sendo cristãos devotados, monges e freiras apoiavam-se em textos sagrados, ou não, para viverem melhor todos os anos de suas vidas nos mosteiros. Muitos deles faziam pesquisas não só em textos sagrados (os mosteiros tinham suas bibliotecas) mas também na natureza que os envolvia e daí resultaram experimentos que contribuiriam futuramente com o progresso da Ciência como o caso de Mendel (1822 - 1884) que entrou para o mosteiro com intenção de aprimorar conhecimentos e em contato com a natureza, admirando os jardins, acabou por fazer experimentos com ervilhas e descobrir os caminhos da genética. É considerado O Pai da Genética. Pode-se citar ainda Bartolomeu de Gusmão (1685 - 1724) - trabalho pioneiro no projeto de dirigíveis mais leves que o ar, Nicole Oresme (1320,1325 – 1382), filósofo famoso, matemático, tradutor competente, físico e teólogo; Giordano Bruno (1548 - 1600), filósofo dominicano, matemático e astrônomo, que foi queimado na fogueira por causa de pontos de vista heréticos; Nicolas Malebranche (1638 – 1715) - filósofo que estudou física, ótica e as leis do movimento; divulgador das ideias de Descartes e Leibniz; François Jacquier (1711 - 1788 ) - matemático e físico franciscano; por ocasião de sua morte estava conectado com quase todas sociedades científicas da Europa.
Na verdade, pode-se indagar por que a ciência se desenvolveu num ambiente católico.
Constata-se que os jesuítas deram inúmeras contribuições significantes para o desenvolvimento da ciência. Basta lembrar seu estudo sobre os terremotos, tanto que a sismologia passou a ser conhecida como a "ciência dos jesuítas". Também participaram do desenvolvimento dos relógios de pêndulo, telescópios, microscópios e muitos outros feitos.
Os mosteiros tinham suas regras que eram cumpridas pelos monges e que contribuíram para a construção de suas vidas de forma harmoniosa. A recitação das escrituras nos encontros semanais dava aos noviços solitários um sentido de companheirismo. A meditação sobre um versículo escolhido, a repetição de determinado salmo afastava o tédio, o desespero e a tentação. Os monges mais velhos estavam prontos a ajudar a comunidade e era comum serem procurados pelos monges mais novos e pelos noviços para ouvir uma palavra, um conselho. Era uma forma de tornar-se seu aprendiz. Os monges construíram suas vidas através da leitura meditativa que equivalia a uma prece a Deus.
Colaborou para disseminar os ideais de vida monástica e suas diretrizes, entre outros, João Cassiano (360 -433) que emigrou da Terra Santa para fundar dois mosteiros perto de Marselha.
Sua obra "As Instituições e as Conferências" foi responsável por disseminar os ideais da vida monástica juntamente com a Regra Beneditina que veio mais tarde.
Desde sempre o mundo conviveu com invasões, guerras e suas consequências drásticas.
Hoje vemos países que se digladiam por razões, às vezes estúpidas, e que além de um número enorme de mortes levam comunidades inteiras a se deslocarem de seus habitats para acampamentos em situações muitas vezes precárias, longe de suas origens e tradições.
Quando Roma foi saqueada em 410 pelos visigodos, o aparato político de seu império foi logo dominado pelos invasores gerando um colapso da cultura romana que perdurou por 2 séculos. A sociedade que surgiu após esse período era analfabeta, rural, subpovoada, tinha economia de subsistência e tradição oral, dominada por guerreiros em constantes conflitos, mas uma sociedade homogeneamente cristã.
O conhecimento necessário para entender as escrituras teria que vir de alguma fonte. A fonte que estava preparada para tal no Ocidente era o mosteiro, que não era algo novo no VI século. O sucesso do cristianismo e a preservação do conhecimento se deviam ao trabalho dos monges. Pode-se dizer que a religião apontou um caminho para a sobrevivência do saber.
Entre os muitos mosteiros existentes naquela época destacam-se:
Monte Cassino, fundado por Bento de Núrsia, que vem fornecendo a mesma diretriz durante séculos a monges e freiras beneditinas. Sofreu perdas significativas nas invasões em 577 e em 833, ocasião em que os monges tiveram que fugir, numa delas levando os ossos de Bento. Somente no século XI o Monte Cassino começou a adquirir e reproduzir manuscritos importantes da civilização do ocidente. Uma praga em 1348 e o terremoto de 1349 trouxeram outro revés que foi enfrentado pelos monges que sempre reconstituíram suas tradições e trabalhos. Seiscentos anos depois, em 1944, um bombardeio contra a Itália reduziu o local a escombros. Com a coragem que lhes era peculiar estavam preparados para cuidar da preservação do saber em tempos de devastação e penúria.
Recentemente, o convento de 1500 anos abriu seu próprio site www.officine.it/montecassino/ mostrando que se adaptou às mudanças do mundo e está conectado com ele.
Uma outra comunidade monástica que se destacou foi em Vivarium, palavra latina que significa "lugar de coisas vivas". Recebeu esse nome porque o local escolhido para sua instalação possuía lagoas piscosas em suas proximidades.
Foi idealizado por Cassiodoro, estadista romano que tinha um plano inicial de fundar uma escola cristã em Roma, mas violentas guerras no reino italiano destruíram seus sonhos. Retornou à vila da família em Squillace e se dedicou aos livros e escritos, reações comuns a aristocratas e estudiosos desiludidos. Depois transformou Squillace em uma comunidade monástica. Ali colecionou as grandes obras da antiguidade e treinou seus monges para copiá-las e corrigi-las. Cassiodoro alertou seus monges para que aprendessem com seus próprios olhos já que a tradição oral da cultura romana estava comprometida. Instruiu os monges a deixarem folhas em branco nos códices, na expectativa de poder acrescentar informações, recuperar obras perdidas. Além dos dois mosteiros fundados por João Cassiano pode-se destacar mosteiros na Gália e na Itália fundados e reformados por monges irlandeses conhecidos por sua austeridade e cultura. Saíram da Irlanda (uma ilha) e dirigiram-se ao continente para incentivar o conhecimento.
De Vivarium, na Itália, até Iona, no litoral britânico os mosteiros se destacaram e foram praticamente os únicos veículos da preservação da escrita e cultura do Ocidente desde o Séc. V atravessando o período entre os séc. VI e IX, considerado crítico para a divulgação de textos clássicos, até o surgimento da universidade no séc. XII